quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Prefiro andar descalça.

Era uma vez, uma princesa muito bonita...”. Desde muito pequenos aprendemos a valorizar a aparência. Os contos de fadas, muito populares até os dias de hoje são um exemplo de como a estética é supervalorizada. As histórias são sempre protagonizadas por donzelas inocentes, educadas, e claro, lindas. O príncipe sempre cai de amores pela princesa por causa de sua beleza, mesmo que a princesa em questão esteja dormindo, não faça a menor idéia do que está acontecendo e ele não saiba se conseguiria manter um diálogo inteligente com ela. Em um passe de mágica, ele olha pra ela e puff, está perdidamente apaixonado. Eu lembrei de mencionar que o príncipe também é lindíssimo? Mesmo que inicialmente o príncipe tivesse o aspecto de um animal que a maioria das pessoas achava repulsivo ou então fosse uma criatura de aparência monstruosa, o felizes para sempre é sempre precedido de uma intervenção mágica que transforma o monstrengo em questão em adivinhem: um belo príncipe encantado. Talvez uma das passagens mais desagradáveis da literatura infantil seja o momento em que a madrasta da Cinderela obriga a filha a colocar o sapatinho de cristal, que na minha cabeça sempre era no mínimo dois números menor do que o pé dela. E devia ser bico fino. O fato é que: vendo que o sapatinho não entrava a mãe muito amorosa, gentilmente sugere que a filha corte um pedaço do dedão para que o sapatinho sirva, afinal, quando ela fosse rainha não precisaria andar. A garota prontamente aceita a sugestão, afinal não queria perder a oportunidade de casar com o príncipe “montado na grana”, digo, no cavalo branco. Em uma época em que os homens deviam ser grandes, fortes e rudes, as mulheres deveriam ser meigas, pequenas e delicadas, e o pezinho mínimo em um frágil sapatinho de cristal representa esse antagonismo. O tempo passou e nós esquecemos os contos de fada, entretanto, ainda permanecemos com a idéia de que para atingirmos o felizes para sempre, precisamos estar lindas. Embora não haja um consenso sobre a origem da história, alguns estudiosos defendem a teoria de que a Cinderela original seja oriental, o que explicaria a fixação por um pezinho pequeno, imediatamente associado à delicadeza. Os padrões de beleza mudam conforme a época e a região. No Brasil estamos acostumados à máxima os homens preferem as loiras, já na Suécia, se aparecer uma morena, ela é disputadíssima. Na Renascença bonito era ser gordinha, alguns séculos depois, bonito é ser esquálida. No entanto, quando nos deparamos com um documentário muito bem intencionado sobre os costumes orientais, que ainda pregam que quanto menor o pé, mais bonito, e vemos as meninas tendo os pés enfaixados desde criança - e os ossos sucessivamente quebrados, atrofiados, cicatrizados, e então novamente quebrados... – imediatamente erguemos a bandeira do feminismo e gritamos o quanto tal costume é absurdo. Curiosamente, não percebemos as mutilações que nós, ocidentais avançados e civilizados, ajudamos a disseminar. Todo mundo acha normal colocar o equivalente a uma caneca cheia de uma substância sintética, que também pode ser usada para vedar vidro, dentro do corpo para ficar perfeita dentro do biquíni. Ser perfurada por uma cânula, ter a gordura sugada com movimentos vigorosos e ficar cheia de hematomas por um mês é o sonho de consumo da maioria das mulheres. E ao primeiro sinal da idade, não criemos pânico, na falta de uma fada madrinha, basta uma visita ao esteticista e com algumas picadinhas rápidas e indolores (?) voilá: temos um rosto liso e livre de sinais de expressão. De qualquer expressão. A aparência é importante, não só na vida pessoal, mas também nas relações de trabalho. Estar bem com a própria aparência faz bem à autoestima e isso se reflete no dia-a-dia. O perigo está no excesso, quando vemos adolescentes trocarem a festa de 15 anos por próteses de silicone ou mulheres totalmente desprovidas de expressões faciais agendando uma nova aplicação, ou talvez uma dose extra para ficar parecida com a Angelina Jolie. Devemos nos perguntar qual a mensagem que estamos passando para as crianças, afinal, se o príncipe se apaixonou pela princesa porque ela era linda e eles foram felizes para sempre, então talvez um dedão, um transtorno alimentar ou qualquer tipo de automutilação não seja assim tão ruim... Prefiro andar descalça!

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